Khalil “De Cara pro Vento”

Descoberto por Sergio Guerra na internet, jovem músico gravou em Lisboa, a convite do fotógrafo radicado em Portugal 

“Meu canto e minha poesia vieram com os primeiros acordes. Logo a arte passou

a ser o maior norte de minha vida, traçando meu caminho de forma tão definitiva que não faço a menor ideia de quem seria eu se não fosse a música, e nem quero fazer, sinto que estou exatamente onde devo estar”, diz Khalil.

De Cara pro Vento (Maianga Diascos/Dubas) apresenta Khalil com treze faixas autorais,   compostas a partir do seu encontro com o violão, a partir dos treze anos de idade, em Belém do Pará. Mas o paulista que encontrou sua voz e sua fonte de inspiração no norte do país e tem sua ancestralidade nordestina, foi surpreendido em 2019 com o convite do fotógrafo e produtor brasileiro radicado em Portugal, Sergio Guerra, para ir a Lisboa gravar suas músicas, fazer um CD pelo seu selo Maianga Discos, com distribuição pela Dubas. 

O que chamou a atenção de Guerra para a musicalidade do cantor e compositor foi a canção “Quem é Deus”, que o músico havia colocado na internet. Khalil chegou a Lisboa com um violão simples, pouca bagagem e gravou , por três dias na sala de Sergio Guerra, o seu álbum de estreia produzido por Alê Siqueira. 

“Quem é Deus”

“Fui convidado pra uma festa de caretas, mas fiquei lelé da teta quando cheguei no lugar. / Não tinha rock, samba, pop, nem baião. Meu axé, meu afoxé, cheguei com minha opinião.  / Intransigente ao ver tanta gente crente de que um deus onipotente nos condena por dançar.  / Eu vi “messias”, disfarçados, picaretas, e saquei suas mutretas por debaixo de um altar, onde se via prata, ouro e diamantes, um senhor muito elegante e seu rebanho a minguar. / Amargamente via o povo assim, carente de um deus onipresente que só não estava lá. …” 

“Em um momento sociopolítico tão adverso, no qual sobressaem a violência, incompreensão e desapreço à cultura, fui surpreendido por alguém noutro continente, sensível à minha mensagem e disposto a me ajudar. Poder fazer coisas como o que Guerra fez por mim é um desejo que me motiva a trabalhar, pois acredito que o que há de mais valioso em ter sucesso é a possibilidade de plantar boas sementes em maior escala, quero ser terreno fértil. Eternamente grato ao amigo Sérgio Guerra.”,

reflete Khalil

Com melodias autorais, maturidade confessional em suas letras, o álbum abre com “Força”, canção que homenageia o migrante brasileiro – “Uma mulher guerreira subiu num pau de arara. /Ainda menina, sem eira nem beira, partindo do nada pro nada, ela veio com a cara, a coragem e um matulão.“. 

“Fiquei imaginando o disco com essa simplicidade caseira e artesanal que Khalil nos apresentou suas canções. A ideia de gravar somente voz e violão foi para deixar ele o mais confortável possível, para captar toda a essência e visceralidade genuína dele,  algo muito rítmico que é muito do Khalil. Desejava apenas sublinhar algumas coisas – os ritmos, as harmonias, os andamentos –, para não atropelar o que Khalil tem de orgânico. Fui apenas colorindo o que já tinha.”, declara Alê Siqueira. 

Existencialismo, ancestralidade, a universalidade do místico africano e indígena, além da forte crítica político e social. É a poesia de Khalil que pontua suas canções com intervenções de tons, embaladas pelos arranjos e programações de Alê Siqueira. E Khalil entrega com leveza e poesia faixas como “Luz” (Oh luz, estás em tudo e no nada se faz. / Oh luz, torna segundos eternos canais daquilo que não tem começo e nem fim. / Oh luz, uma faísca do vosso calor acenderá fogo, chama de amor, mostrando vida até mesmo na morte. / Oh luz, oh luz, leva-nos onde não existe aonde, nem quando, nem como, nem se, nem será.); “Eu Não Sei Dizer Adeus”, que ganha narração com os verso (”Hoje segues de novo… / Na partida nem o pranto os teus olhos umedece, nem te comove a dor da despedida. / E eu, solitário, volto a face, e tremo vendo o teu vulto que desaparece na extrema curva do caminho extremo.”); “Lapidar” (Há uma parte do passado aqui, pelos escombros do que foi um lar, mas nosso choro transformou-se em chuva para regar e eternizar.); “Seja Feliz” (Sinto-me um cara de sorte, minha morte não me quis./ ”Seja feliz!” disse-me a tristeza.  / Oh! Que beleza ver na escuridão a luz. / A lucidez se fez muito louca, se foi como uma roupa que não serve mais a ilusão.); 

Quanto misturam as místicas, como em “Cabocla” (Caboclinha dança no compasso da voz do silêncio, que é o som da esperança de Deus sobre nós. / A cabocla dança samba, rock, canções de Woodstock, e me inspira esse canto de axé e afoxé.); “De Cara Pro Vento”, que da nome ao CD (Sobre o lombo dum jumento de cara pro vento, de carona em pau de arara de vento pra cara. / Oxalá! Pai Krishna! Maria, mãe de Deus, na certeza de que sou também um filho teu. / Oh Mãe, senti teu toque no vento, a tua força num raio cruzando o céu, um alento. / Eparrei Iansã!); “Guerreiro de Aruanda” (Eu sou guerreiro de Aruanda! / E um berimbau de boca na boca dum tal de São Jorge fazia loucuras com a minha cabeça que a essa altura estava de bandeja pro dragão.). 

“Khalil é uma grata surpresa. Um jovem que aponta na direção oposta ao que a maioria parece estar procurando. E fala o que deve ser dito e feito, com poesia e firmeza. Esse é o momento certo para desligar tudo e ouvir essa boa nova da música brasileira.”, afirma Ronaldo Bastos (Dubas) 

Neste mosaico de Brasil, a atualidade em canções com olhar politico e social do jovem compositor, em: “A Revolução dos Bichos” (Ah, o amor sussurra ao pé do ouvido coisas sem sentido, só pra ver se a gente se entende por gente. / Mas eu quero mesmo ver a gente sendo bicho, tomando a fazenda e derrubando a granja, para instituir republica dos bichos; bichos, bichas e quem mais vier pra dança.); “Desordem e Regresso“(E desde então, em nome do progresso, é só regresso. / Desordem e regresso às nossas tribos, desordem e regresso.); “Botas Imundas” (Canto pra fazer barulho, canto pra te incomodar, se fosse pra ser bonito cantava la la la la.). Al ém da última faixa de De Cara pro Vento, a bônus track, “Ele Não” (Ele é a faca que matou Katendê, ele é a bala em Marielle, ele é o ódio à flor da pele, ele é o sangue na favela, ele é o mal.). 

”De Cara pro Vento” tem músicas que fiz com quinze anos e inspirações recentes, é algo que nunca deixará de ser atual pra mim, pois fala de coisas que me acompanharão pra sempre. Nele há existencialismo, ancestralidade, politica; a primeira faixa é uma homenagem a uma das mulheres mais importantes na minha construção, volto a cantar sua história na que dá nome ao álbum, que também é sobre Iansã, enfim, esse CD me representa, é uma mistura de tudo que sou, e não poderia ter caído em melhores mãos, Alê Siqueira me emocionou com cada arranjo apresentado.”, reflete Khalil

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