Adolescentes sim, mas de mente adulta !
A diretora e dramaturga Andreia Fernandes dá aula há mais de 30 anos no famoso Teatro do Tablado(RJ). Seu último espetáculo, “Paz sem rosto”, escrito especialmente para sua turma de 20 alunos, foi convidado a representar o Brasil no festival internacional “Kids on Stage”, que acabou de rolar em Dresden, na Alemanha. O retorno que tiveram foi incrível, com um críticas excelente em jornais locais. E, para surpresa de todos, foi eleito o melhor espetáculo do festival.
Elogios à parte quanto à qualidade do espetáculo, o que mais sentiram foi o impacto que a peça causou. A violência nas cidades do Brasil é conhecida. O que não é conhecido é o abandono de tantos jovens pela sociedade e pelo poder público. A falta de políticas para uma inclusão real, reflexo direto dessa violência. Algumas pessoas vieram perguntar para ela se nós estávamos numa espécie de guerra civil. A peça também repercutiu de outra forma: como alerta. A Europa vive, hoje, o problema da imigração. Um problema difícil, sem dúvida. Mas certamente a segregação só vai trazer mais violência.
A ideia de conceber uma peça tratando da desigualdade social e da violência surgiu dos próprios alunos. O assassinato do médico na Lagoa, abalou a todos. A discussão sobre a redução da maioridade penal depois desse episódio estava sempre presente. Andreia deixou que os debates acontecessem na aula, pediu que improvisassem cenas. Surgiu a ideia de escrever uma peça onde se abordasse as duas faces dessa tragédia. Jovens assassinados por menores, desencadeiam uma onda de desesperança, desestruturam famílias. Menores abandonados, completamente desestruturados têm no roubo à mão armada uma opção para a sobrevivência. Ser jovem e não ter nenhuma perspectiva de futuro é mais do que triste. É trágico.
Partiram de dois universos de pesquisa. Por um lado, depoimentos de parentes e amigos de jovens assassinado por menores. Por outro, pesquisaram episódios como a Chacina da Candelária, de Vigário Geral. Assistiram documentários como o 174 e sobre o complexo do Alemão.
Segundo Andreia, para os adolescentes aprofundar essa realidade foi um aprendizado duro, mas importante. Afinal, são eles que, num futuro muito próximo, estarão à frente das do país. “No momento em que o Rio de Janeiro se projeta para o mundo como cidade olímpica é importante mostrar que nem tudo por aqui é maravilhoso. A solução para desigualdade social não é simples. A peça não propõe nenhuma solução. O importante é denunciar, discutir. Perceber que cada um é responsável por essas situação. Quem sabe um dia, todos os nossos jovens poderão sonhar com seu futuro. Nesse dia, o Rio de Janeiro será realmente uma Cidade Maravilhosa”, afirma a diretora.
Andreia escreveu um belo artigo sobre o tema e sobre o seu trabalho com os adolescentes. E com exclusividade nós publicamos aqui (logo abaixo), na certeza de que o belo texto trará não só uma boa reflexão, mas também a perspectiva de um amanhã mais justo e com mais oportunidades para os menos favorecidos.
A crise despertou os adolescentes para o engajamento social
O Brasil mergulhou numa crise profunda e cruel. No entanto, é sabido que toda crise acena com possibilidades, por mais dura que seja. Essa não é diferente. O movimento jovem é uma luz no fim do túnel.
Há muito não se via o engajamento de jovens na política e nos movimentos sociais. Já em 2013, milhares foram às ruas. Tudo começou com o movimento passe livre, uma iniciativa de jovens que acabou por mobilizar o país inteiro. Em 2016, vários movimentos demonstram que os jovens reaprenderam a se organizar e a reivindicar. O mais significativo desses movimentos atuais foi a ocupação de escolas no Rio e em São Paulo.
Essa ação não se restringiu à jovens universitários, tradicionalmente envolvidos em movimentos estudantis, mas à frente da ocupação, estão adolescentes do ensino fundamental e médio. Mais ainda, esse jovem não se limita à uma classe social ou a um grupo. Estudantes da rede particular se unem aos estudantes da rede pública por melhorias no ensino. Essa é a grande novidade. E a grande esperança.
Como professora de teatro para adolescentes tenho acompanhado essa mudança. Se há alguns anos, a política estava fora das discussões, isso se reverteu desde 2013. E vai além, sai do debate e vira movimento, ação. No ano passado, a questão da redução da maioridade penal foi um tema frequente de discussão, seja nas escolas, nas redes sociais ou nos diversos encontros entre eles. Durante minhas aulas, no Teatro Tablado, não foi diferente. Assisti à debates calorosos antes e depois das aulas. Tanto me impressionou o nível dos debates, com argumentações coerentes, firmes, mas com o devido respeito às opiniões divergentes, que eu trouxe a questão para dentro da sala de aula.
Cenas foram improvisadas com esse tema. Surgiu a ideia de se escrever um texto sobre o assunto. A partir das ideias e das improvisações a peça “Paz sem rosto” foi escrita e encenada como trabalho de fim de curso. O sucesso foi tal que recebemos um convite para nos apresentarmos no festival “Kids on Stage”, em Dresden, Alemanha. Os aplausos de pé e a emoção ao fim do espetáculo revelaram a preocupação de outros tantos jovens que vivem, na Europa, a desigualdade relacionada à problemática da imigração.
De volta à questão da ocupação das escolas no Rio e em São Paulo, é importante frisar dois lados desse movimento. Primeiro, a consciência dos adolescentes de que o problema da educação no Brasil, atinge a todos. É a educação a base da cidadania. E o ponto de partida para o desenvolvimento real e sustentável. Segundo, o entendimento por parte desses adolescentes de que uma cidade dividida, um país onde a desigualdade social é gritante não pode prosperar. Muito menos sair de qualquer crise. A união entre os jovens de classes e realidades diversas revelou a compreensão por parte desses adolescentes de quão fundamental é a ação coletiva para a construção do futuro do país. Porque só juntos podemos, de fato, transformar a realidade.
Se os adolescentes despertaram, há esperança do poder público também acordar. Porque os jovens são o futuro, a luz no fim do túnel.
(Andreia Fernandes)